Desafios da Geração Distribuída

 
Desafios da Geração Distribuída Desafios da Geração Distribuída

A economista e professora Virginia Parente, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), é a convidada da Energia Automação para falar sobre esse tema tão atual


Foi sancionada este ano a lei que institui um marco legal para a microgeração e a minigeração distribuída de energia. Com isso, algumas mudanças serão consolidadas e outras poderão vir na sequência. 


A professora Virgínia Parente, do IEE/USP, reflete sobre diversos aspectos relacionados à GD. Ela foi membro do Conselho de Administração da Eletrobras, diretora da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético, presidente do Comitê Estratégico em Energia da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) e presidente da Associação Brasileira de Estudos em Energia (AB3E), e tem sido convidada para palestras, consultorias estratégicas e pareceres em perícia, mediações e arbitragens. 


É também uma das autoras do estudo Impactos Econômicos e Sociais da Expansão do Uso de Sistemas de Geração Distribuída a partir de Energia Solar Fotovoltaica, patrocinado pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e pela WWF Brasil. Esse trabalho foi realizado em 2020, mas com olhar prospectivo para os próximos cinco anos. 


Como explicar para as pessoas o que é Geração Distribuída (GD)? 


A GD é uma geração de energia elétrica a partir de unidades menores do que a da geração centralizada, as quais os consumidores, que se tornam também produtores de energia, ou prossumidores (consumidores que produzem), podem se conectar a qualquer ponto do sistema elétrico de modo geral. Essa é a definição que tem origem na IEEE Power and Energy Society. Também podemos dizer que GD são unidades de geração de menor porte, cuja instalação está nas próprias dependências do consumidor ou em áreas de distribuição da própria concessionária, atendendo diretamente a rede local.


Quando a humanidade passou a gerar energia elétrica, fazia isso perto dos consumidores. Depois ficou claro que gerar energia no atacado era mais barato. Então a energia passou a ser gerada em unidades de grande porte: grandes hidrelétricas, termelétricas, parques ou fazendas solares etc. Com a GD, estamos vendo, de certa forma, uma volta às origens. Escolas, hospitais, restaurantes, hotéis, residências etc. estão gerando sua própria energia. 


Isso ocorre dentro da própria área das concessionárias, não passando, necessariamente, por nenhuma linha de transmissão. Há uma grande vantagem que é a redução das perdas que ocorrem normalmente quando a geração está muito distante do centro de consumo e a energia tem que ser levada por linhas de transmissão. É como se a linha de transmissão fosse uma grande tubulação de água e houvesse, inevitavelmente, vazamentos ao longo do percurso. Quanto mais distante, mais perdas. Isso é ainda mais significativo num país com dimensões continentais como o Brasil, em que as linhas atravessam grandes distâncias, levando, por exemplo, energia do norte do país para o centro-sul. 


Quais devem ser os impactos econômicos e sociais da nova lei da GD?


Há um impacto interessante com relação ao fato de trazer mais segurança às integradoras, que são as empresas que fazem a instalação dos painéis solares para a GD. Vão ao local, calculam qual será o consumo, fazem a importação e instalação do painel. Essas empresas têm se multiplicado, empregando muitos profissionais.


Na situação anterior, havia muita imprevisibilidade em relação as esperadas alterações regulatórias que estavam por vir. Isso dificultava a captura de novos usuários interessados em investir na GD. Mas, para que a GD funcione bem, é preciso haver uma infraestrutura de aproveitamento dessa geração distribuída, o que só é possível com a presença da concessionária de distribuição. Então os serviços prestados pela concessionária de distribuição também são fundamentais para que a GD possa se expandir. 


O aumento da GD impacta muitas atividades na área de energia, principalmente a rede de distribuição. Mais de 95% da GD, no mundo e no Brasil, funciona conectada à rede de distribuição. A GD que se popularizou é a sem bateria e que tem como principal fonte a solar fotovoltaica. Por isso, é necessário que a rede distribua energia à noite, em dias nublados, e nos períodos sem sol ou de indisponibilidade, por qualquer razão, dos sistemas distribuídos.


Há também vantagens que a GD traz para a rede de distribuição, dentre as quais está o alívio à carga em momentos de pico. Por outro lado, essa mesma rede tem que ficar disponível todo o tempo para atender à demanda quando a fonte de geração tem algum "afundamento", ou seja, quando não consegue gerar. A questão é saber como remunerar a rede por esse "estado de a prontidão", para que o custo dessa disponibilidade não recaia sobre os consumidores que não têm recursos para investir na GD. 


Usando uma metáfora, é como se, no entorno de uma loja grande e já estabelecida, começassem a surgir várias lojinhas autônomas. Mas essas lojinhas precisassem da estrutura de estacionamento oferecida pela loja grande. A questão que se coloca é: como dar suporte a uma tecnologia nascente que é benéfica ao planeta e, ao mesmo tempo, remunerar com justiça os serviços propiciados pela concessionária de distribuição? 


Há que se considerar que a GD representa uma ruptura tecnológica em andamento, sobre a qual há uma limitação ao poder de resolução do Agente Regulador. Por exemplo, a Anatel não poderia "barrar" o celular porque ele representava uma ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro da telefonia fixa. Há uma tendência de que as baterias que poderão ser acopladas aos equipamentos de GD num futuro próximo, e que ainda são muito caras, tornem-se cada vez mais competitivas. Aí essa revolução poderá ser ainda mais forte. Estima-se que a GD possa ultrapassar a fatia de 40% ou 50% do total de geração de energia elétrica em muitos países da Europa.


Com relação aos impactos ambientais? As perspectivas são animadoras? 


Sim, a GD virou "queridinha" por conta da preocupação com o aquecimento global, pois a fonte que mais cresce na GD é a solar fotovoltaica, que não emite gases de efeito estufa no momento da geração. Mas é preciso não esquecer que o principal player do mercado de fabricação de painéis solares é a China, que usa majoritariamente a energia que vem do carvão e do petróleo para fabricá-los. Além disso, os painéis são transportados por cargueiros movidos a combustível fóssil, e por veículos também emissores até chegar aos locais de sua instalação. E quando chegam ao fim da sua vida útil, esses painéis precisam ser descartados, o que também pode gerar poluentes. Então, é preciso levar em conta toda a cadeia, e não relaxar na busca contínua por eficiência em todo o processo.


Há uma cultura favorável ao engajamento de cidadãos e investidores em projetos do gênero? 


Sim. A GD é uma tecnologia vista com bons olhos e o retorno econômico ainda está muito interessante. As pessoas analisam e veem que é vantajoso. Existe aceitação social e viabilidade econômica. As tecnologias usadas, como a solar fotovoltaica, as microturbinas eólicas, os geradores a óleos de origem orgânica e os biodigestores são amigáveis, de relativamente baixa complexidade, baixo risco e com retorno atraente.


Por que, entre as fontes renováveis, a solar fotovoltaica é a que predomina entre as iniciativas de GD no Brasil?


Pela praticidade, rapidez de instalação dos painéis, e também porque é a fonte mais competitiva hoje, ou seja, que tem tido maior redução de custo. Há muita tecnologia empregada na fabricação dos painéis, mas a parte operacional é de menor complexidade.


Acha que outras fontes devem despontar em projetos de GD?


Microturbinas eólicas e biodigestores são outras opções, porém podem ser um pouco mais complexas do que a fonte solar fotovoltaica. Biodigestores geram energia a partir de gases de fermentação de resíduos, associados ao sistema de esgoto ou resíduos gerados, mas precisam de volumes maiores, como é o caso do lixo de um restaurante universitário, hospital, shopping de grande porte. A modularidade requer uma escala um pouco maior. A fonte solar fotovoltaica deve continuar sendo predominante, pelo conhecimento adquirido, reputação da tecnologia e praticidade, mas as microturbinas eólicas também estão cada vez mais bem posicionadas nessa corrida da geração distribuída.


O estudo Impactos Econômicos e Sociais da Expansão do Uso de Sistemas de Geração Distribuída a partir de Energia Solar Fotovoltaica indica que há impactos sobre consumidores que não adotam esse sistema. Como atenuar esse problema?


Esse problema pode e deve ser abordado ao se fazer uma análise justa de como os detentores dos painéis solares devem remunerar a distribuidora pelo serviço que é prestado a eles, de forma que as distribuidoras também continuem existindo e tendo um retorno competitivo. É preciso encontrar um equilíbrio nessa remuneração, para que não sobre parte desses custos para os outros consumidores que não têm recursos para investir na GD.


Por fim, como a expansão da GD no Brasil deverá afetar o sistema elétrico nacional?


Por um lado, a expansão aumenta a segurança: com mais fontes de geração de energia, há diminuição da concentração em alguns grandes geradores. Mas, ao mesmo tempo, há aumento da complexidade da gestão no setor elétrico, porque é preciso olhar para essa carga que está entrando, ou seja, que está sendo ofertada na rede de forma picadinha, no varejo, e não no atacado. Administrar um sistema com muito mais unidades entrando e saindo requer uma tecnologia mais robusta. Só com um sistema de Big Data para gerir tudo isso.


IMG: Desafios da Geração Distribuída


Convidada: Virginia Parente, professora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP).

 



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